sábado, 24 de setembro de 2011

A má postura associada a obesidade na infância e na adolescência










        A obesidade pode ser definida como uma enfermidade crônica que se caracteriza por acúmulo excessivo de gordura, determinando um comprometimento de saúde, ao passo que o sobrepeso constitui uma fase préobesidade. O excesso de gordura e de peso corporal é acompanhado de maior suscetibilidade a uma série de disfunções crônico-degenerativas que elevam os índices de morbidade e mortalidade. Em crianças obesas, verifica-se a presença das mesmas complicações observadas na população adulta que se encontra acima do peso, sendo mais freqüentes hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, diabetes melito, aumento de lipoproteínas de baixa intensidade, diminuição de proteínas de alta intensidade, doenças pulmonares inflamatórias,além de distúrbios osteoarticulares (Cicca, 2007; João, 2007; Sacco, 2007).
         Estudos publicados pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia indicam que houve um aumento alarmante na incidência de obesidade no Brasil. A prevalência da obesidade infanto-juvenil no Brasil, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (apud Giugliano & Melo), subiu 240% nas últimas duas décadas. No Brasil, as crianças mais atingidas pela obesidade ainda pertencem às classes sociais privilegiadas, apesar da tendência recente de uma mudança nesse perfil. O substancial incremento nessa taxa decorre principalmente de mudanças no estilo de vida da população, associadas a um ambiente que fomenta hábitos sedentários, com diminuição da freqüência da atividade física e aquisição de hábitos alimentares inadequados, caracterizados pela substituição das refeições por lanches mal balanceados, pela troca de alimentos tradicionais da cultura brasileira por dietas de alto valor calórico com pouco valor nutricional, e pelo consumo de doces e guloseimas (Cicca, 2007; João, 2007; Sacco, 2007).




        Embora sejam poucos os estudos específicos sobre o impacto da obesidade no sistema musculoesquelético infantil,Wearing et. al descrevem que muitas adaptações podem ocorrer na organização postural dessas crianças, como alterações no alinhamento e na estrutura dos quadris, joelhos, tornozelos e pés, provocando dor, desconforto, ineficiência da biomecânica corporal e consequente redução da mobilidade. Ademais, crianças com sobrepeso e obesidade (SO) apresentam maior dificuldade de controle postural, possivelmente, influenciada pela deficitária propriocepção nos joelhos, comumente observada (Martinelli et al, 2011).
        A boa postura é o estado de equilíbrio muscular e esquelético que protege as estruturas de suporte do corpo contra lesão ou deformidade progressiva independente da atitude (ereta, deitada, agachada, encurvada) nas quais essas estruturas estão trabalhando ou repousando. Sob tais condições, os músculos funcionam mais eficientemente e posições ideais são proporcionadas para os órgãos torácicos e abdominais. A má postura é uma relação defeituosa entre várias partes do corpo, que produz uma maior tensão sobre as estruturas de suporte e onde ocorre um equilíbrio menos eficiente do corpo sobre sua base de suporte (Kussuki, 2007; João, 2007; Cunha, 2007).
        Estudos mostram que a obesidade tende a continuar na fase adulta se não for convenientemente controlada, levando ao aumento da morbidade e diminuição da expectativa de vida (Cicca, 2007; João, 2007; Sacco, 2007). Grande parte dos problemas posturais desenvolvidos durante a infância permanece na vida adulta. Portanto, a crescente incidência de obesidade infantil, que aumenta a predisposição aos desvios posturais, pode resultar em uma população adulta com membros inferiores significativamente desalinhados (Martinelli et al, 2011).
       O tecido ósseo remodela-se de acordo com a carga exercida sobre ele; portanto, durante a infância os ossos possuem maior quantidade de colágeno e por isso são mais flexíveis, sendo mais tolerantes à deformação plástica e menos resistentes à compressão. Dessa forma, quando há um aumento da sobrecarga, os indivíduos em fase de crescimento são mais susceptíveis às deformações. Sabe-se que em indivíduos com peso normal, a maioria das articulações da extremidade inferior é exposta a uma força de reação de aproximadamente três a seis vezes o peso do corpo durante a locomoção. Em conseqüência disso, os indivíduos obesos experimentam maior sobrecarga em suas articulações que os indivíduos com peso normal (Brandalize, 2010; Leite, 2010).
       Bruschini e Nery descreveram as alterações posturais no obeso em virtude da exagerada massa corpórea, com sobrecarga do sistema musculoesquelético. A postura de crianças obesas foi descrita como de abdómen protruso, devido ao deslocamento anterior do centro de gravidade, aumentando a lordose lombar e a inclinação anterior ou anteversão da pelve. A cifose torácica acentua-se, ocasionando aumento da lordose cervical e deslocamento anterior da cabeça. Com a evolução do quadro, instalam-se encurtamentos e alongamentos excessivos que, em combinação com a inclinação anterior da pelve, ocasionarão rotação medial dos quadris e aparecimento de joelhos valgos e pés planos. Nas crianças obesas, o valgismo pode ocorrer devido ao afastamento dos membros inferiores ocasionados pelo excesso de gordura na região das coxas. Os pés planos, quando associados ao alargamento da base de sustentação, no início da marcha acarretam diminuição da estabilidade e deficiência no equilíbrio corporal (Cicca, 2007; João, 2007; Sacco, 2007).
 
 
 
 
 
     Além disso, existe a hipótese de que o aumento na adiposidade seja capaz de alterar fatores hormonais e fatores de crescimento, interferindo no metabolismo da cartilagem articular e osso subcondral. Além da cartilagem, a obesidade parece ter efeito sobre outros tecidos moles, como tendão e fáscia (Brandalize, 2010; Leite, 2010).
   Essa postura, que inicialmente é temporária e flexível, surge de forma compensatória para melhorar a estabilidade e é considerada patológica a partir do momento em que se torna fixa, resultante de adaptações musculares e retrações cápsulo-ligamentares, podendo causar dores no sistema osteomioarticular. Campos et al. sugere que o esforço para manter a estabilidade corporal causado pelo excesso de massa corporal aumenta as necessidades mecânicas do corpo e, consequentemente, aumenta o gasto de energia, desfavorecendo os indivíduos obesos a realizar suas atividades físicas habituais, inclusive a marcha, propiciando a instalação de quadros dolorosos (Brandalize, 2010; Leite, 2010).
    Klenerman e Zonfrillo et al. atentam ainda ao fato de que as crianças podem ser mais facilmente lesionadas durante atividades esportivas do que indivíduos com maturação esquelética completa, pois seus ossos são mais porosos e frágeis, por causa das epífises de crescimento. Dessa forma, Calvete complementa que, no exercício físico desenvolvido para jovens obesos, é importante considerar o peso corporal desses indivíduos como uma sobrecarga durante o esforço físico. Ainda, essas crianças e adolescentes são mais suscetíveis a apresentar persistência de sintomas após uma lesão articular, quando comparadas com seus pares não obesos (Brandaliza, 2010; Leite, 2010).
     Considerando que o corpo responde aos estímulos a ele causados pela obesidade, ele também irá responder aos estímulos que tentem minimizar seus efeitos no sistema músculo-esquelético. Por isso, é importante que a intervenção nos indivíduos obesos com problemas ortopédicos seja realizada na fase de maturação, pois nessa fase melhores resultados poderão ser obtidos em comparação com o período o processo de crescimento já está completo e as deformidades, possivelmente instaladas (Brandaliza, 2010; Leite, 2010).







Referências:

MARTINELLI,  Alessandra Resende et  al. Análise do alinhamento dos membros inferiores em crianças com excesso de peso. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v.13, nº 2, p. 124-130, mar./abr. 2011.

KUSSUKI, Mari Oliveira Mota; JOÃO, Silvia Maria Amado; CUNHA, Ana Claudia Pereira da. Caracterização postural da coluna de crianças obesas de 7 a 10 anos. Revista Fisioterapia em Movimento, Curitiba, v.20, nº 1, p. 77-84, jan./mar. 2007.

CICCA, Luciana Olcerenko; JOÃO, Sílvia Maria Amado, SACCO, Isabel Camargo Neves de. Revista  Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.14, nº 2, p. 40-7, mai./ago. 2007.